terça-feira, 29 de março de 2011

Os conflitos no Bahrain: 1 mês de protestos

1 mês do começo dos conflitos, e a situação continuava a mesma,  Fórmula 1, Festival de Primavera, feiras, eventos, shows, tudo foi cancelado. Os cruzeiros de turistas que costumavam parar no Bahrain, desviaram a rota. A ponte da Árabia Saudita fechou, e com tudo isso o movimento em hotéis, shoppings, bares e restaurantes, caiu, e muito! No caso da Fórmula 1, o país estava cheio de cartazes, outdoors, pontos de venda nos shoppings, anúncios na televisão... Tudo foi retirado e imaginem só quanto $$$ perderam com isso.
Os manifestantes continuavam na Praça da Pérola. Passamos um dia por lá e vimos a praça tomada de gente, adultos, crianças, parecia uma grande festa dessas de interior, pois tinha barraca de chá, de comida, pessoas fumando narguile, televisão, rádio, cartazes. Estava tudo na paz, calmo, até o dia seguinte, quando os conflitos voltaram a acontecer.
O Bahrain, com todo o direito, pediu  ajuda dos vizinhos no Golfo e foram enviadas tropas da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes. Mas essa atitude revoltou o Irã que considerou a entrada de tropas estrangeiras como invasão e pediu que as retirassem.
O rei decretou Estado de Emergência e após muita violência a polícia retirou os manifestantes da Praça da Pérola, mas antes de saírem, os acampantes queimaram barracas e instrumentos que deixaram por lá.
As tropas e os policiais se espalharam, houve toque de recolher das 16:00 às 4:00 da manhã e proibiram todas as concentrações e passeatas. Mesmo assim, os manifestantes xiitas voltaram às ruas cantando slogans contra o governo. Mais 8 pessoas morreram, 4 manifestantes e 4 policiais.
Após os conflitos o Governo pediu a demolição do monumento da Praça da Pérola. A escultura era um símbolo do Bahrain e representava uma pérola sustentada por arcos, pois o país é conhecido por sua indústria de cultivo de pérolas. Porém, depois da revolta, a escultura ficou marcada como ponto central dos conflitos e o Governo decidiu apagar essa imagem.
Quando os conflitos voltaram a acontecer com mais força, muitas pessoas deixaram o país, os bancos estavam cheios de pessoas que queriam transferir ou retirar o dinheiro que tinham, além de terem colocado limites para a troca de dinar por dólar, pois era muita gente querendo trocar quantias muito altas.
Nós, que ficamos por aqui esperando para ver o que iria acontecer, ficamos alguns dias sem poder sair de casa, acompanhando tudo pela televisão e Internet, com os lugares fechados, helicópteros, policiais e militares por toda parte.
Depois de controlar a situação, o Bahrain limitou as horas do toque de recolher e pediu que moradores voltassem ao trabalho. Foi então que saímos de casa e aí vimos a real situação do que havia acontecido, vimos as lixeiras dos prédios transbordando de lixo, pois nem mesmo o caminhão de lixo estava passando. vimos manifestantes encapuzados e com pedaços de madeira na mão, controlando quem entrava e quem saía de determinados bairros. Além de diversos pontos de blitz policial. Vimos prateleiras vazias nos supermercados, sem data para serem preenchidas. O país estava um caos! Nas ruas, muitas coisas quebradas, queimadas, jogadas, destruídas, dava dó de ver, pois uma das coisas que me chamou a atenção quando eu cheguei aqui no Bahrain, é o cuidado que eles têm em deixar tudo bonito, limpo e organizado...
A situação aqui no Bahrain é bem diferente dos outros países árabes. Além de ser um país desenvolvido (é o 39º na lista de IDH - Índice de Desenvolvimento Humano), o governo se preocupa com a segurança da população e tenta evitar qualquer tipo de violência e dialogar com a oposição. Tentam resolver tudo de forma pacífica, sem decisões precipitadas e violentas.
Bom, depois de uma semana de esperança com as coisas voltando ao normal, na medida do possível, recebemos um email no dia 24/03, nos informando a respeito do “Dia da Fúria”, onde os manifestantes xiitas planejavam grandes concentrações e protestos para o dia 25/03. O email era bem explicativo, inclusive com um mapa mostrando os lugares onde aconteceriam os conflitos.
Pegamos algumas coisas e fomos passar o dia com amigos que moram mais afastados do centro de Manama.
Graças a Deus, dia 25 passou, e as forças de segurança reprimiram todos os protestos.  Alguns manifestantes conseguiram protestar, mas com demonstrações mais concentradas em bairros e sem confrontos com a policia.
Agora é torcer para que tudo volte ao normal definitivamente, para que possamos sair de casa sem nos preocupar com o que pode acontecer e que voltem os shows, festivais, feiras e turistas. A propósito, o Bahrein tem até 1º de maio para decidir se terá como organizar GP de Fórmula-1. Tomara que sim, e bem vindos ao Bahrain!

segunda-feira, 21 de março de 2011

Os conflitos no Bahrain: “14 FEB”




Já tinha começado a escrever alguns textos para falar sobre os xiitas no Bahrain, mas com os últimos acontecimentos, preciso comentar o que vi e vejo aqui e um pouquinho do que sei sobre essa revolta no mundo árabe!  Ao longo de 6 meses aqui no Bahrain, procurei ler, perguntar e saber mais sobre o país: regime, religião, cultura, leis, e até mesmo conflitos...
O Reino do Bahrain é uma monarquia com um primeiro-ministro escolhido diretamente pelo rei. Na verdade a maioria dos cargos importantes são ocupados por membros da família real: Al Khalifa, que está no poder há mais de 200 anos e pertence à minoria sunita , enquanto 70% da população é formada por xiitas.
Com isso, não é novidade os xiitas causarem  conflitos, desde muito tempo eles  protestam, fecham ruas, queimam coisas, picham muros e brigam pelos seus direitos, pois se sentem discriminados e reprimidos e dizem que os sunitas tem melhores cargos, melhores salários, melhores oportunidades...
Mesmo com esses conflitos, "População xiita X Governo sinuta", que sempre existiram, ninguém imaginava que essa revolta no mundo árabe  chegaria até aqui, pegou todos de surpresa, inclusive o Rei, já que o Bahrein é um  país relativamente estável, moderno, aberto e com poucos conflitos religiosos.
Logo que os conflitos começaram a se espalhar pelos países árabes, o Rei deu para cada família  barenita 1.000 (mil) Dinar, aproximadamente 5.000 reais, claro que com o interesse de ficarem bem felizes e quietos, sem entrar na onda dos protestos da Revolta Árabe. Bom, quem não deve não teme e de nada adiantou comprar a paz, na mesma semana os manifestantes mandaram o recado:
“La Alf, La alfen... Mauadna yom el tanen”
Que significa:
“Nem mil, nem dois mil, nosso encontro será na segunda-feira”
Segunda-feira, 14 de Fevereiro: Valentine´s Day
Restaurantes, shoppings, floriculturas, o comércio voltado pra essa data. Na verdade eu fiquei até surpresa de ver essa movimentação toda no dia dos namorados, já que (teoricamente) os muçulmanos não namoram, apenas casam, e muitas vezes conhecem a noiva no dia do casamento. O mais surpreendente foi saber que na maioria das vezes, eles comemoram o dia dos namorados, não exatamente com as “namoradas” ou esposas, mas com as garotas de programa que eles normalmente “pegam” sempre e que estão esperando ansiosas essa data para ganharem uma lembrancinha como uma jóia em um jantar romântico em um Hotel de luxo... Bom, tenho muita coisa pra falar sobre isso, mas em um outro momento, voltando aos conflitos, foi no dia 14 de fevereiro que tudo começou, era impressionante a quantidade de perfis no facebook, twitter, emails com o título “14 FEB”
Os xiitas decidiram chamar a atenção do mundo todo para o que acontecia há muito tempo aqui no Bahrain. Começaram exigindo melhores condições, maiores salários, cargos no governo, libertação de presos e a queda do primeiro- Ministro (que é o mesmo há uns 40 anos e é tio do Rei). Afirmavam não ser nada relacionado à religião: "Não há sunitas ou xiitas, apenas a unidade barenita".
Logo que o presidente do Egito deixou o poder, podíamos ouvir de casa a comemoração dos egípcios aqui no Bahrain, a Embaixada do Egito fica bem perto da nossa casa e fizeram muita festa e barulho... Nosso vizinho mesmo, que é do Egito, pegou o carro e se juntou aos companheiros, fazendo uma passeata com buzinas e gritos de vitória!
Confesso que foi bonito de ver! Eles finalmente conseguiram liberdade! As imagens nos notíciarios se repetiam e acompanhei tudo com orgulho dessas pessoas, maioria jovens que lutaram e conseguiram! Mudar, recomeçar, é SEMPRE BOM!!!
Então chegou a vez do Bahrain...
No começo, foi tudo bem pacífico, os manifestantes, pegaram suas barracas e acamparam na Praça da Pérola, um dos símbolos do Bahrain. Por lá ficaram, durante dias, exigindo e sonhando com muitas coisas...




O Governo queria conversar, mas os manifestantes não queriam conversa, exigiram que soltassem os presos, e o Governo fez...Até que, resolveram exigir, a queda do Rei.
Claro que isso não aconteceu, e eles continuaram na Praça Pérola, dias e dias... Engraçado é que diferentemente dos protestos nos outros países árabes, onde as pessoas lutam por melhores condições de vida, já que são pobres, aqui no Bahrain, os xiitas lutam contra o preconceito e muitos deles tem muito dinheiro, não é difícil ver um xiita parando seu Porsche, BMW, Lexus, Mercedes e se juntando ao protesto! E é algo super organizado. Durante a marcha, um caminhão acompanha as pessoas distribuindo água e comida. Tudo pago pelos próprios xiitas, que além de protestarem, decretaram greve, o que faz os barenitas xiitas não trabalharem e com isso as pessoas que dependem deles não trabalharem e com isso parar tudo!!!
Foi então que o Rei mandou o exército para retirar os manifestantes da praça e “limpar” a área…  aí veio a violência, fecharam ruas, toque de recolher e som de helicópteros, carros de polícia e ambulâncias 24 horas por dia. Resultado: 6 mortos, centenas de feridos, hospitais cheios, shoppings e comércio fechados e supermercados lotados com pessoas e mais revolta...
Recebemos uma mensagem no celular que dizia algo mais ou menos assim: "Foi decretado toque de recolher, façam estoque de comida pois nos supermercados já estão faltando muitos produtos..." Algo bem dramático mesmo, mas não entramos na onda, pois pânico contagia! Ficamos atentos, e dentro de casa não teria porque temer, então esperamos pra ver...